polianidades

sábado, outubro 21, 2006

Perfume da saudade

Quando adolescente fui apresentado a uma pessoa que me fez pensar na vida, me fez refletir as minhas fraquezas e as minhas conquistas, me ajudou a ser forte para esconder os meus medos, me fez lutar quando na verdade eu apenas queria sentar o chorar a vida como uma criança que perde o doce. Bem! Essa pessoa tão especial chama-se Clarice Lispector, ela me incomoda, me irrita, me atrai, me faz rir, me faz chorar e o mais importante, me faz pensar naquilo que por ventura fiz e faço dos seguntos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos que me são ofertados pela vida.
Mas o que ela quer dizer com isso? Uma vez tive acesso a um texto seu com o título "Perdoando Deus", uma obra magnífica em que com classe e destreza ela mistura incompreensões e compreensões, humildade e prepotência, amor e ódio. Mas o que ela quer dizer com isso? Ainda me pergunto, o que ela quer dizer com isso? Quem é Deus? O que Ele quer de mim? Quem é o Rato?
Ao encontrar Clarice, fui me reconhecendo, me identificando e formando meus valores e pretenções de vida, ela me ensinou a ser livre e dono do meu destino, mesmo que o Rato apareça para me colocar medo e pavor... O Rato... E a cada vez que leio este texto, me pergunto o que é o Rato? Quem é o Deus?
Passo por um período de amadurecimento e de transformações em minha vida, em meu coração, nos valores que persigo nos meus dias. Hoje eu posso dizer que AMO, mas sei também que esse sentimento pode ser tanto magnífico quanto ignóbil para o ser amado, mas enfim, amo e é isso que me importa neste exato momento, em mais uma reflexão sobre a vida, para a vida, na vida.
Quando Clarice disse do seu rato, de tudo que não precisava ser lembrada e do terror que percorreu o seu corpo, comecei a fazer paralelos com os meus ratos e de tudo aquilo que também não quero ser lembrado, das inúmeras contas erradas que por ventura realizei para justificar o meu amor, para justificar a mim mesmo que a soma nunca seria passível de subtração.
"...mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque me imaginava tão forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as COMPREENSÕES, eu amava. Não sabia que, somando as INCOMPREENSÕES é que se ama verdadeiramente (...) "- Clarice Lispector
Pois bem, eu cometi esse erro! somei e esqueci que o amor nunca será passível de se quantificar a não ser de sentir, achei que quantificando a minha intensidade de viver e de amar, saberia recuperar os obstáculos apresentados pelo destino, e simplesmente os transformei em oferenda para alguém que não as queria naquele momento.
" (...) Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda." (...) - Clarice Lispector.
Talvez não fui capaz de compreender que o amor sempre esteve presente em minha vida, que tudo que eu pretendia era me encontrar com ele, sem perceber que em mim ele sempre morou e eu nunca fui capaz de percebê-lo e nutrí-lo para mim mesmo e fazer da minha pessoa o ser amado, pois ainda me deparo com meus ratos.
Nesta semana, tive que me encontrar novamente com os meus ratos, que chamei carinhosamente de "Perfume da Saudade", pois bem! Deus não me apresentou um Rato ruivo com os pés esmagados que me trouxe pavor e terror, esta semana ele me apresentou um perfume e a saudade que doeram mais que qualquer outra coisa.
Estava eu a caminho do trabalho, com o pensamento livre e limpo como jamais esteve, não pensava em nada a não ser no vazio do universo e do silêncio etéreo dos pensamentos, e mais que de repente sinto um perfume, o perfume Dele?... Em apenas um segundo o meu coração acelerou, minhas pernas ficaram trêmulas, os meu olhos marejaram-se de lágrimas e a minha mente trouxe tudo aquilo que o meu coração quer esquecer e não consegue.. .Sim! ele voltou, com força e intensidade que nunca quis antes, ele voltou!
Os meu pensamentos se tornaram poluídos de recordações e de momentos felizes que Ele lá estava, lembrei automaticamente de como era bom deitar em seu peito no meio da noite quando sentia frio e estava cançado depois de um dia longo de trabalho, do seu abraço que me fazia recobrar as energias e sorrir antes que os sonhos tomassem conta de minha noite. Lembrei do seu sorriso de criança, de suas brincadeiras, de sua voz, em apenas um segundo ele se transfigurou em meu peito e perturbou o meu dia.
Neste dia não tive mais pensamentos para nada e ninguém, a cada espaço de descanso que me desfrutava, ele tomava conta do meu sossego e do meu coração, esse perfume permaneceu em minha alma até o exato momento que escrevo este texto e digo a todos, inclusive a mim mesmo que não fui forte o bastante para esquecê-lo...
Tudo que Clarice me disse se concretiza em apenas um perfume, ele veio e invadiu a minha vida sem ao menos pedir licença e me atormentou o coração, esteve ao meu lado e se foi sem ao menos se despedir, sem ao menos me dar a oportunidade de ver em seu olhos o adeus, e por incrível que pareça me deixou lembranças que um perfume reaviva e deixa o peito inquieto e a saudade latente.
Agora tento viver e a me manter inteiro e forte diante de minha fraqueza, tento dizer que nada é inexorável a não ser esse amor que em mim persiste e a cada dia me mostra que eu não poderei percorre-lo se antes não sentir que ele nunca foi embora nem se adormeceu, sem dizer ao meu coração que o objeto de amor deva ser a mim mesmo antes de ser o outro, embora o outro se torne tão importante quanto a si mesmo. Enquanto eu não me amar só porque não aprendi a ter carinho pelo que sou, nunca saberei amar a ninguém, enquanto eu não me desejar com tanta intensidade e vivacidade que um dia te desejei, e assim, Ele não irá estremer o meu coração com um simples perfume, enquanto isso não acontecer, e não se tornar força pela força e não simplesmente para esconder a fraqueza nunca mostrarei o que realmente desejo e sempre transparecerei o menino medroso que as lembranças estragam o dia... Aprendo a dizer NÃO e a nunca mais transformar o amor em cálculos, mas entender que mesmo sem compreensão e na incerteza podemos amar verdadeiramente.

1 Comments:

  • Depois de suas palavras, suspiro. Sentir o que se é, o que vive, o que se quer. Encher o peito do amor que se tem e do que ainda virá. Que venham os doces sorisos!

    By Blogger Aninha Rossini, at 10:15 AM  

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